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Um médico brasileiro no Haiti
No dia doze de janeiro de 2010 a população do Haiti foi vítima de um dos maiores
e mais catastróficos terremotos já presenciados na História. Estima-se que cerca
de 200.000 pessoas morreram na tragédia e os sobreviventes se encontram em
situação de calamidade. Os prédios foram destruídos, faltam estrutura sanitária
básica, alimentos e medicações. Para tentar ajudar na reconstrução do país e
evitar que a situação no local torne-se ainda pior, entidades humanitárias tem
enviado ajuda, seja na forma de recursos financeiros, material humano, produtos
alimentícios, roupas ou medicamentos. Voluntários de diversos locais do mundo
estão se prontificando a ajudar, inclusive brasileiros. O Tenente Jorge
Alexandre de Araújo Peres, médico de carreira da Aeronáutica Brasileira é uma
dessas pessoas.
Após saber que as forças armadas brasileiras estavam enviando ajuda para o
Haiti, O Tenente Peres, morador de São Paulo, de 32 anos, decidiu que poderia
ajudar. Ele é médico formado pela Universidade Federal Fluminense, com
especialização em Clínica Médica. Há cerca de cinco meses, após quatro anos
servindo à aeronáutica como voluntário, prestou concurso para oficial de
carreira e foi transferido para o Hospital da Aeronáutica de São Paulo (HASP),
onde serve atualmente. Já participou de algumas outras ações humanitárias, mas
nenhuma internacional ou deste porte. Leia abaixo a entrevista concedida pelo
Ten. Peres, sua preparação, expectativas e possíveis dificuldades a serem
enfrentadas nesta missão.
Como surgiu a idéia de ir ao Haiti?
Ten. Peres - Quando aconteceu o terremoto, as primeiras pessoas que
chegaram ao local faziam parte do hospital de campanha. Inicialmente foram
enviados preferencialmente profissionais das áreas de cirurgia e ortopedia. Só
que, devido à proporção da tragédia, o número de profissionais da saude atualmente
não está sendo suficiente para atender toda a demanda. Agora estão sendo
enviados mais médicos clínicos, por causa da possibilidade de aumento da
incidência de doenças infecto-contagiosas e de intercorrências clínicas.
Algumas pessoas são convocadas para montar as equipes e outras são voluntárias.
Eu fui voluntário... Inicialmente achei que a missão nem fosse chegar aqui em
São Paulo, porque temos três grandes hospitais no Rio de Janeiro, mas quando eu
vi que todos esses hospitais já tinham mandado pessoas; e prevendo que essa
missão iria durar muito mais tempo do que tínhamos previsto inicialmente, entrei
em contato com o diretor do nosso hospital e me voluntariei. Dois dias depois
fui comunicado que o meu nome já constava na lista daqueles que iriam ao Haiti.
Como foi a reação da sua família ao saber que você estava indo ao Haiti?
Ten. Peres: Tenho um irmão que é coronel. Foi o primeiro a ser comunicado. Ele
me deu muita força! Então, com o apoio do meu irmão, liguei para minha mãe e
disse que estava havendo um movimento de convocação militar para ir ao Haiti...
No primeiro momento não disse que fui voluntário... Aos poucos fui entrando no
assunto e disse que iria também... Ela inicialmente ficou apreensiva, mas depois
aceitou bem. Está mais tranqüila, mais calma... Mas mãe sempre fica
preocupada... (risos)
Você já participou de alguma missão semelhante?
Ten Peres: No exterior, não. Já havia participado de uma missão com hospital de
campanha durante a crise dos hospitais federais do Rio de Janeiro, que durou
cerca de quatro meses; outra no interior do Amazonas, na qual ficamos alguns
dias atendendo a uma tribo indígena e houve também a missão da queda da aeronave
da Gol.
Que tipo de preparação você teve para esta missão?
Ten Peres: Além das missões de que já participei antes, semelhantes a esta, tive
uma missão de treinamento na minha formatura, em Belo Horizonte, na mata, na
qual simulamos atendimento em situação parecida.
Que cenário espera encontrar quando chegar lá?
Ten. Peres: Um cenário devastador, como se tivesse havido uma guerra, um
bombardeio. Soube que 70% dos prédios caíram e que a cidade está cheia de
escombros. Até o palácio presidencial caiu.
Você tem preocupações quanto à segurança no local?
Ten Peres: A segurança do hospital está sendo feita pela infantaria, com um
grande número de militares. Não está havendo saqueamento ou violência, não
contra o hospital. Tem tido novos tremores de terra secundários, o mais forte
atingiu 6,1 pontos na escala (Richter). As pessoas que sentiram este tremor
ficaram bem impressionadas, pois nunca tinham sentido um terremoto antes.
Disseram que é bem forte. Mas não há preocupação quanto à segurança, pois o
hospital e os alojamentos não ficam em prédios de alvenaria, e sim montados sob
tendas, pelo risco de novos desabamentos. Há sempre o risco de tsunamis, pelos
novos terremotos, mas este risco é inerente à missão...
Que condições de trabalho você espera encontrar?
Ten Peres: No hospital de campanha temos uma estrutura boa lá, temos barracas
para atendimento, barraca de centro cirúrgico, barraca de UTI e barraca de
alojamento. Existe tudo, parte laboratorial, máquinas de radiografia e ultrasom,
respirador, bomba de infusão, medicamentos... tudo! Em termos de alimentação,
temos um caminhão que fornece praticamente tudo e que produz nossa alimentação.
Temos água própria, gerador de energia, as barracas tem climatização, com água
quente nos chuveiros, etc. Quanto à quantidade de trabalho, assim que ocorreu o
terremoto, a população nem conseguia chegar ao Hospital, devido à quantidade de
escombros e dificuldade de acesso. Atualmente o número de atendimentos tem
aumentado, por isso a equipe está indo, para revezar com aqueles que já estão
lá.
Acho que a maior dificuldade será lidar não só com as doenças, mas também com a
dificuldade pela qual a população está passando, a fome, o desespero... Mas...
estamos indo lá para ajudar no que pudermos!
Entrevista realizada por: Dra. Fernanda Seligmann Feitosa