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As características dos médicos mais propensos a processos por má prática
Autor: Dr. Bruno Paolino
Referência: Studdert , DM, et al. Prevalence and Characteristics of Physicians Prone to Malpractice Claims.
N Engl J Med 2016; 374:354-362.
Introdução: Nos dias atuais, uma importante preocupação de médicos e da sociedade em geral está relacionada às características dos médicos propensos a queixas de má prática médica. Neste sentido, muitos estudos tentaram comparar as características dos médicos que tiveram processos por má prática médica dos profissionais que não tiveram queixas na justiça, principalmente em relação ao sexo, idade, especialidade e formação. No entanto, poucos são os estudos que avaliaram o grupo dos médicos que tiveram de pagar indenizações por má prática.
Métodos: Foram analisados os dados dos médicos que tiveram de pagar indenizações entre 2005 e 2014 no programa governamental norte-americano para processos médicos, o banco nacional de dados médicos (National Practitioner Data Bank). Foram realizadas análises multivariadas de recorrência de eventos para identificar as características dos médicos com alto risco de sofrerem processos ao longo do tempo.
Resultados: Ocorreram, no período analisado, 66426 indenizações contra 54099 médicos. Destes, 84% dos médios receberam somente 1 processo, 16% tiveram pelo menos 2 processos e 4% tiveram 3 processos ou mais pagos. Em comparação aos médicos com uma única ação paga, o risco dos médicos com 2 e 3 processos pagos prévios terem uma nova ação perdida é, respectivamente duas e três vezes maior (HR 1,97; IC 95% 1,86-2,07 e HR 3,11; IC 95% 2,84-3,41, respectivamente; p<0,001), números que se mantem estáveis independentemente da especialidade. A chance de nova indenização a pagar para médicos com idade até 35 anos é 1/3 da chance de recorrência nos acima de 55 anos (HR 0,33; IC 95% 0,18-0,61; p<0,001).
Em relação às especialidades, mais da metade dos médicos acionados eram de 4 especialidades: clínica médica (15%), ginecologia e obstetrícia (13%), cirurgia geral (12%) e medicina de família (11%). Apesar disso, em relação aos clínicos gerais, a chance de perder um segundo processo é o dobro para neurocirurgiões (HR 2,32; IC 95% 1,77-3,01), ortopedistas (HR 2,02; IC 95% 1,70-2,40) e cirurgiões gerais (HR 2,01; IC 95% 1,65-2,46). As especialidades clínicas como neurologia, cardiologia e medicina de família tem chances semelhantes de um novo processo e os pediatras (HR 0,71; IC 95% 0,59-0,85) e psiquiatras (HR 0,60; IC 95% 0,43-0,82) apresentam chance menor.
O desfecho que ocasionou a indenização foi a morte em 21509 processos (32%), lesões físicas maiores em 10130 (15%), lesões físicas significativas em 25447(38%) e lesões menores em 7798 ações (12%). As questões somente emocionais foram responsáveis por apenas 999 ações perdidas pelos médicos (2%). A mediana do valor das indenizações foi de 204750 dólares (média 371054 dólares).
Discussão: Apesar de serem números norte-americanos e terem algumas peculiaridades regionais, a tendência mundial é de aumento dos casos de processos por má prática médica, o que faz este estudo ser extremamente relevante. Além disso, por terem incluídos somente dados de ações indenizadas por médicos, os autores traçaram uma nova ótica, o risco de recorrência de ações perdidas. Um dado muito importante é que, usando os cerca de 915 mil médicos ativos nos EUA na época do levantamento, apenas cerca de 6% dos médicos tiveram de pagar indenizações nos 10 anos da pesquisa. Porém, está claro que a distribuição dessas indenizações, com cerca de 1% dos médicos (722 profissionais) sendo responsável por 32% das indenizações pagas. O estudo é, portanto, uma excelente maneira de analisar o problema, buscando a melhor estratégia para proteger os pacientes e a carreira médica.